
Durante décadas, o setor bancário operou num ambiente relativamente estável, protegido por licenças, regulação e uma relação tradicional com os clientes. Mas a chegada das fintechs — startups tecnológicas focadas em serviços financeiros — alterou radicalmente este cenário.
Com soluções mais ágeis, interfaces intuitivas e custos operacionais reduzidos, estas empresas estão a conquistar fatias de mercado em áreas como pagamentos, crédito pessoal, investimentos e até seguros. Em Portugal, o crescimento de plataformas como a Raize (crédito peer-to-peer para PME), a Easypay (pagamentos online), a Credibom (crédito ao consumo digital) ou até a presença massiva de fintechs internacionais como Revolut e Wise são sinais claros dessa transformação.
A resposta dos bancos foi inicialmente defensiva, mas tem evoluído para uma abordagem mais estratégica. Um exemplo concreto é o BCP, que criou um hub de inovação digital e tem vindo a abrir APIs via open banking, permitindo integração com plataformas externas. Já o Banco CTT, mais recente e digital desde a origem, tem apostado em parcerias com fintechs para acelerar o crescimento da sua oferta — nomeadamente em crédito e seguros.
Vemos também bancos como o Santander e o Novobanco a explorar áreas como blockchain, inteligência artificial e scoring alternativo através de hackathons, investimentos em startups e programas de incubação como o Startup Santander X.
No entanto, a verdadeira questão permanece: estamos a caminhar para um modelo de concorrência feroz ou para um ecossistema onde banca e fintech colaboram de forma simbiótica?
O conceito de “coopetição” — cooperação entre concorrentes — está a ganhar força. Ao invés de tentar reinventar tudo internamente, os bancos podem focar-se no core business (gestão de risco, compliance, infraestrutura) e permitir que as fintechs ofereçam experiências digitais diferenciadas.
Por outro lado, as fintechs enfrentam barreiras à escala: licenças, regulação e acesso a capital são desafios significativos. A aliança com bancos pode ser, para muitas, a única via para crescer de forma sustentável. Um bom exemplo disso é a Seedrs, plataforma de investimento participativo com operações em Portugal, que colabora com instituições bancárias para validar compliance e transferências.
Para aprofundar esta análise, convidámos Luís Archer, profissional com vasta experiência no setor bancário e na interseção entre inovação e regulação, a partilhar a sua visão sobre esta dinâmica. A sua leitura do panorama atual reforça a ideia de que a inovação disruptiva das fintechs obrigou a banca tradicional a reinventar-se.
“Pode-se com segurança afirmar que no passado recente a revolução e inovação no setor bancário foi liderada pelas fintechs, obrigando a banca tradicional a sair da sua zona de conforto e a pensar fora da caixa.”
Segundo Luis, o impacto das fintechs foi especialmente visível na conveniência e acessibilidade dos serviços financeiros. Através de interfaces digitais simples e disponíveis 24/7, os utilizadores passaram a realizar operações bancárias — de pagamentos a pedidos de crédito — sem necessidade de se deslocarem fisicamente a um balcão.
“Efetivamente, através de um simples clique, em qualquer lugar, hora e 365 dias/ano, consegue-se executar uma imensidão de operações bancárias […] que, no passado recente, obrigavam a deslocações e esperas nos balcões dos bancos, refletindo-se, automaticamente, em perdas de tempo e produtividade.”
Archer destaca ainda o papel de plataformas como a Raize e a Five Credit no apoio às PME, apesar dos desafios estruturais enfrentados pelas fintechs.
“Todavia, e apesar dos menores custos operacionais face à banca tradicional, o custo do funding é superior pelo simples facto de não aceitarem depósitos […] obrigando-as a recorrer a outras modalidades de financiamento, com a consequente repercussão no custo final a cobrar ao cliente.”
Mesmo com estas limitações, o especialista reconhece que estas soluções têm um valor claro no mercado, pela sua flexibilidade, rapidez e adequação às necessidades atuais.
A reação dos bancos, inicialmente cautelosa, evoluiu — como o artigo abordou — para abordagens mais estratégicas e colaborativas. Archer confirma esta mudança:
“No início desta revolução, a banca tradicional atuou, em certa medida, numa base de ‘wait and see’. Contudo, rapidamente se apercebeu que, ou se adaptava aos novos tempos, ou teria muitas dificuldades em competir […]”
Por fim, Archer sublinha que, apesar da tendência crescente para o digital-first e digital-only, há aspetos da relação cliente-banco que continuam a justificar a presença física.
“Ainda que a tendência seja cada vez mais o digital, sou dos que pensam que a proximidade física e o contacto pessoal, em certas e determinadas circunstâncias, continuará a existir e a ser privilegiada.”