Quando a Natureza Paga Dividendos: A Visão de Jorge Alcobia e o Despertar da Ilha do Príncipe

Há histórias que nascem de uma inquietação. De uma vontade silenciosa de retribuir ao mundo o que o mundo nos deu. A de Jorge Alcobia é uma delas. Depois de mais de três décadas no coração do mundo corporativo — a liderar equipas na Accenture, na Roland Berger e como CEO de várias empresas — decidiu mudar de rumo. Hoje, o seu “escritório” é a Ilha do Príncipe, uma das mais pequenas e belas ilhas do Atlântico, e o seu propósito é ambicioso: provar que é possível conciliar o desenvolvimento humano com a preservação da natureza.

A semente de uma ideia

O ponto de partida foi o conceito de Dividendo Natural, criado por Mark Shuttleworth — o empreendedor sul-africano que fundou a FAYA Foundation e convidou Jorge Alcobia para liderar o projeto no terreno. A ideia é, ao mesmo tempo, simples e revolucionária: e se a natureza pudesse pagar às pessoas por cuidarem dela?

“O Mark percebeu que, para preservarmos a natureza, temos de garantir que as pessoas têm condições de vida dignas”, explica Jorge. “As comunidades mais pobres são as que recorrem à natureza para sobreviver. Quando precisam de lenha, cortam árvores. Quando precisam de construir uma casa, fazem o mesmo. Não porque querem destruir, mas porque não têm alternativa.”

Foi dessa observação que nasceu o Dividendo Natural — um mecanismo de incentivo em que os habitantes da Ilha do Príncipe recebem um valor monetário trimestral, proporcional ao grau de preservação ambiental da sua comunidade. Quanto mais saudável estiver a floresta, as praias e a biodiversidade, maior o dividendo. “É pensar na natureza como um ativo”, diz Jorge Alcobia. “Se cuidarmos bem dela, ela também nos dá retorno.”

A natureza como ativo comum

O funcionamento é inovador. A FAYA utiliza imagens de drones e um índice de biodiversidade desenvolvido internamente para monitorizar a evolução ambiental da ilha. Se uma área perde árvores ou sofre erosão nas praias, o dividendo coletivo diminui. Se melhora, todos ganham.

A lógica é quase pedagógica: transformar a preservação ambiental num esforço comunitário, em que cada pessoa sente que o bem-estar coletivo depende também das suas ações — e das ações dos vizinhos. “Queremos que as pessoas pensem: se alguém tira areia da praia, não é só um problema dele — é um problema meu também”, resume Alcobia.

Hoje, cerca de 40% dos adultos da Ilha do Príncipe já aderiram voluntariamente ao projeto. “É um número extraordinário, tendo em conta que começámos há apenas alguns meses”, afirma. O primeiro pagamento do dividendo está previsto para o final do ano, mas o impacto social já se faz sentir. “As pessoas estão a falar sobre o tema, a olhar à volta e a perceber que preservar é uma responsabilidade partilhada.”

Liderar com propósito

Para Jorge Alcobia, esta mudança de carreira não foi apenas profissional — foi também pessoal. Depois de uma vida entre multinacionais e resultados financeiros, o desafio de liderar um projeto de impacto trouxe-lhe uma nova forma de olhar o mundo. “Chega um momento em que sentimos que é altura de devolver à sociedade o que ela nos deu. Trabalhei muitos anos para empresas, focado em lucros e metas. Hoje quero colocar essa experiência ao serviço de algo maior: o planeta.”

Trabalhar com Mark Shuttleworth é, para si, outro privilégio. “Ele é um líder diferente. E eu sempre precisei de trabalhar com pessoas que admiro profundamente.” Mas há também uma terceira razão para esta nova fase: “Ter o Príncipe como escritório. Quem já lá esteve sabe — é impossível não se sentir pequeno perante tanta beleza.”

Os desafios da mudança

Nem tudo, porém, é idílico. A implementação de um projeto desta natureza exige uma sensibilidade política e cultural apurada. “Nós não somos donos da ilha”, sublinha Alcobia. “O Príncipe tem o seu governo regional e as suas comunidades. Não podemos simplesmente chegar e dizer: temos aqui uma boa ideia, façam assim. É preciso conquistar o coração das pessoas, não apenas a sua razão.”

Essa proximidade é conquistada no terreno, com equipas que vivem lado a lado com as comunidades, ouvindo as suas necessidades e valores. “Há coisas que não são decisões racionais. Podemos provar que o modelo é bom, mas, se as pessoas não acreditarem que é para o seu bem, não o vão abraçar.”

Outro obstáculo inesperado foi a concorrência entre organizações não-governamentais. “As ONGs competem por financiamento e muitas vezes guardam dados como se fossem tesouros. Percebi que este mundo nem sempre é mais bondoso do que o mundo corporativo. Às vezes é até mais competitivo.”

Um novo modelo de desenvolvimento

O objetivo da FAYA é ambicioso: provar que é possível crescer sem destruir. “O modelo de desenvolvimento ocidental trouxe prosperidade, mas sempre à custa da exploração de recursos — sejam naturais, humanos ou económicos. O que queremos mostrar é que há outro caminho. Que é possível fazer as duas coisas: proteger a natureza e melhorar a vida das pessoas.”

Se o modelo funcionar no Príncipe, o plano é expandi-lo. “São Tomé será o próximo passo natural — é vinte vezes maior, com desafios diferentes. Depois, queremos levar a ideia a outras regiões. Já fomos contactados por representantes da ilha de Domínica, nas Caraíbas, interessados em replicar o conceito.”

A ambição é clara: criar um modelo global de desenvolvimento sustentável que tenha como base a valorização da natureza. Um modelo que paga dividendos, sim — mas também gera consciência.

Um futuro onde todos ganham

Quando fala do futuro, Alcobia não usa grandes slogans. Prefere imagens simples, humanas, que cabem numa conversa à sombra de uma árvore do Príncipe. “Gostava que, daqui a dez anos, pudéssemos olhar para trás e dizer: conseguimos. Mostrámos que é possível preservar e prosperar ao mesmo tempo.”

Talvez o segredo do Dividendo Natural esteja precisamente aí: numa nova forma de ver a relação entre o homem e a terra. Onde a natureza não é um recurso a explorar, mas um parceiro a cuidar. Onde o valor não se mede apenas em euros, mas em árvores, em peixes, em sorrisos.

E onde, finalmente, a natureza paga dividendos — não apenas financeiros, mas humanos.

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